Primórdios
“Bround agachou-se e olhava a distância, com as mãos abrigando os olhos de um sol inexistente. Os outros caçadores pularam de seus lugares e foram juntar se a ele na reconstituição da caçada ao bisão. De tal ordem era o poder evocativo da pantomima – afinal uma expressão de vinha sendo burilada por incontáveis gerações – que conseguiram recriar toda intensidade das emoções vividas na caçada. Até mesmo a menininha de fora, com seus cinco anos, recebia o impacto daquela representação. As mulheres do clã, íntimas das finas nuanças de sua linguagem, viram-se transportadas ao calor da planície poeirenta. Sentiram o trovejar da terra vibrando sob cascos; provaram o gosto da poeira sufocante e exultaram com a caça abatida.
Era um raro privilégio que lhes permitia partilhar da sacrossanta vida dos caçadores, mesmo que se tratasse de um pálido vislumbre”
O parágrafo acima foi extraído de Ayla – A Filha das Cavernas (The Clan of the Cave Bear), de Jean M. Aurel. Este Best-Seller norte americano, baseado em estudos arqueológicos, é tido como a mais fiel reconstituição romanceada na pré-história.
Como percebemos na cerimônia comandada pelo caçador Bround, o RPG existia antes da própria civilização. Muito antes do cinema, TV, quadrinhos, antes mesmo da linguagem escrita ou falada (os antigos seres humanos usavam gestos muito mais do que a voz). O teatro de faz - de - conta foi a maneira que encontraram para contar histórias interativas, para trazer a emoção das caçadas para suas famílias.
Também havia na pré-história os jogos competitivos, como corridas, lutas e arremesso de armas, mas estes tinham uma finalidade prática – treinar para as caçadas que viriam garantir a sobrevivência. Apenas o RPG era entretenimento puro, sem outros objetivos além de emocionar. A primeira atividade humana que tinha como única meta a diversão.
Milênios depois, o RPG ressurge como um enigma. Provoca curiosidade em muitos, fascínio em outros, paixão descontrolada em terceiros. O que é esta estranha e sedutora mania? Uma nova forma de arte? Um ritual primitivo, enraizado em nossos instintos? Um brinquedo excêntrico, restrito a uma elite intelectual?
Não existe mistério algum. Nossos ancestrais sabiam, e nós sabemos hoje. Seja usado como passatempo em uma mesa de jogo, seja para reduzir estresse de astronautas, seja para tornar as aulas mais interessantes nas escolas, o RPG nunca desviou-se de seu propósito primordial.
RPG existe para divertir. E isso não e pouca coisa.
Texto retirado da publicação Dragão Brasil Nº 22 – Autores: Marcelo Cassaro “Paladino” e Rogério ”Katabrok” Saladino.
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